Diabetes mellitus e a evolução da biotecnologia para produção de insulina
Maria Eduarda de Oliveira Lima, Bruna Aparecida Vieira Mathias, Joseane Oliveira Pereira, Leonardo Maciel Santos Silva, Mariana de Fátima Rabelo Silva
Graduandos do curso de Bioquímica (UFSJ-CCO)
v.2, n.7, 2024
Julho de 2024
Há muito tempo, já antes de Cristo, foi identificado um distúrbio metabólico conhecido como diabetes. O primeiro registro foi documentado em folhas denominadas papiro, escritas pelo médico egípcio Erbers. Nesse documento, ele descrevia um transtorno caracterizado por sintomas de eliminação excessiva de urina, emagrecimento e muita sede, o que levava alguns indivíduos a óbito [1,2]. Na Grécia antiga, o médico Areteu nomeou a doença de diabetes mellitus ao observar que a urina dos doentes era adocicada, na qual acumulava-se até formigas [2]. Com isso, foram surgindo estudos acerca dessa enfermidade, compreendendo melhor os sintomas e suas causalidades, com intuito de promover melhorias na condição de vida dos pacientes, utilizando tratamentos eficazes para assim diminuir a taxa de mortalidade pelos afetados.
A Síndrome Metabólica compreende um conjunto de alterações no organismo relacionadas com obesidade que influenciam drasticamente no funcionamento eficiente do organismo [3]. O diabetes mellitus, por sua vez, é considerado um distúrbio metabólico caracterizado pela hiperglicemia (aumento da presença de glicose no sangue). Isso se deve a alterações na liberação do hormônio insulina ou em sua ação; este hormônio é extremamente importante para a captação de glicose do sangue para o interior de células dentro das quais ela é usada para produção de energia necessária para manutenção da atividade celular. A glicose, além disso, participa também da regulação do metabolismo de outras macromoléculas como lipídios e proteínas [4].
O pâncreas é um órgão muito importante pelas suas funções de produção de diversas enzimas digestivas e hormônios. A região do pâncreas que produz hormônios como insulina, glucagon e somatostatina é chamada de Ilhotas de Langerhans. Dentro dessas Ilhotas têm-se diferentes células e cada uma é responsável pela produção de um hormônio específico. As células beta, por exemplo, produzem insulina, que como já mencionado apresenta um relevante efeito metabólico na regulação dos níveis de glicose, para reduzi-los na corrente sanguínea [5]. Contudo, irregularidades no funcionamento de células pancreáticas pode levar a distúrbios severos, como casos de diabetes.
Existem diversos tipos de diabetes, sendo os mais comuns o diabetes tipo 1 e tipo 2. O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é caracterizado pela falta de produção de insulina devido à destruição das células betas do pâncreas por uma reação indesejada do sistema imunológico, responsável pela proteção do organismo. Por outro lado, o diabetes tipo 2 (DM2) está associado à resistência à insulina; neste quadro o hormônio é produzido normalmente pelo pâncreas, porém não consegue executar sua ação. Em consequência disso, a diminuição na internalização de glicose pelas células contribui para aumento da produção de glicose pelo fígado, o que aumenta ainda mais os níveis de glicose plasmática [6]. Além disso, há estágios mais avançados de pacientes não tratados nos quais o pâncreas não consegue mais produzir insulina devido a uma deficiência no seu funcionamento. O DM2 tem se tornado cada vez mais comum por estar intimamente ligado ao estilo de vida da população, sendo influenciado por hábitos de vida não saudáveis como alimentação inadequada e sedentarismo [7].
Figura 1: A biotecnologia contribui para uma produção mais limpa e sustentável da insulina.
O tratamento para diabetes varia de acordo com o tipo e o avanço da doença. Pacientes com diabetes tipo 1, devem ser tratados com doses diárias de insulina, enquanto o paciente com diabetes tipo 2 pode ser tratado com mudança de estilo de vida, medicamentos (se necessário) e, em caso avançado da doença, com a insulina [8]. Desta forma, proporciona-se uma melhor qualidade e expectativa de vida para indivíduos acometidos.
A insulina, portanto, é bastante usada no tratamento do diabetes: “Do total de diabéticos no Brasil, pelo menos 6,5 milhões necessitam do uso de insulina no tratamento para controle adequado da glicemia” [9]. Esse fato demanda uma elevada produção desta substância (Figura 1), e com o passar do tempo foi necessário criar uma maneira de obtê-la sem causar efeitos prejudiciais aos pacientes e ao meio ambiente, por exemplo. A biotecnologia permite esse novo modo de produção, e além disso diminui a probabilidade de rejeição em relação ao uso de insulina de outras espécies; isto porque é utilizado um gene (segmento de uma molécula de ácido desoxirribonucleico-DNA) humano [10].
Quando descoberta em 1921, a insulina utilizada nos tratamentos era extraída de animais que mais se assemelhavam aos humanos, como o porco, o que durante anos foi o tratamento mais eficiente. Apesar de sua semelhança, a pouca diferença entre a insulina humana e suína poderia levar a uma reação alérgica; o organismo de alguns pacientes identificavam como algo estranho a insulina de porco, resultando em não oferecimento do efeito desejado e o desencadear de reações alérgicas e inflamações [11]. Porém, no início dos anos 80 com os avanços biotecnológicos, foi produzida a insulina a partir de uma bactéria chamada Escherichia coli, na qual foi inserido o gene que codifica a insulina humana, por meio de um plasmídeo (estrutura circular de DNA). Assim foi produzida a insulina recombinante, chamada assim devido ao fato de se utilizar DNA de duas espécies distintas (bacteriana e humana) [11]. Esta permitiu a redução dos problemas descritos com relação ao uso da insulina de porco.
O genoma (código genético de um ser vivo: sequência de DNA que possui todas as informações hereditárias daquele organismo, ou seja, que podem ser passadas à próxima geração [12]) humano, foi estudado com objetivo sequenciar o material genético, assim podendo obter todas as informações a respeito de como a informação estava organizada para informar a produção de cada proteína como a insulina. O sequenciamento foi um grande marco para a ciência, pois permitiu o estudo de diversas doenças, dentre elas o diabetes, tornando possível a criação da insulina recombinante [13]. Desta maneira, atualmente os pacientes que precisam do hormônio em seu tratamento podem tê-lo à disposição, o que possibilita, graças à ciência, uma melhor qualidade de vida.
Referências Bibliográficas
[1] Gomes MB. Diabetes: recordando uma história. Revista Humanística de Pesquisa em Enfermagem, v. 14, n. 4, 2015. Disponível através do link: https://doi.org/10.12957/rhupe.2015.20069. Acesso em: 09 jul. 2024.
[2]Carta Capital. A história do diabetes. Disponível através do link: https://www.cartacapital.com.br/saude/a-historia-do-diabetes/. Acesso em: 09 jul. 2024.
A
[3] NAV.DASA. Síndrome metabólica: entenda o que ela causa e quais os critérios de diagnóstico. Disponível através do link: https://nav.dasa.com.br/blog/sindrome-metabolica. Acesso em: 09 jul. 2024.
[4] Casarin DE, Donadel G, Dalmagro M, Oliveira PC de, Ceranto D de CFB, Zardeto G. Diabetes mellitus: causas, tratamento e prevenção / Diabetes mellitus: causes, treatment and prevention. Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 2, p. 10062–10075, 2022. Disponível através do link: https://doi.org/10.34117/bjdv8n2-107. Acesso em 09 jul. 2024.
[5] Manual MSD. Pâncreas. Disponível através do link:
https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-digestivos/biologia-do-sistema-digestivo/p%C3%A2ncreas. Acesso em: 09 jul. 2024.
[6] Ferreira CMSN, Souto D, Navarro GV, da Silva MTD, Rodrigues MLM, Serejo MN, Parreira W da SP, Rosa YNF. Diabetes mellitus tipo 1: uma revisão da literatura / Type 1 diabetes mellitus: a review of the literature. Brazilian Journal of Development, v. 8, n. 5, p. 37158–37167, 2022. Disponível através do link: https://doi.org/10.34117/bjdv8n5-290. Acesso em 09 jul. 2024.
[7] Bertonhi LG, Dias JCR. Diabetes mellitus tipo 2: aspectos clínicos, tratamento e conduta dietoterápica. Disponível através do link: https://unifafibe.com.br/revistasonline/arquivos/cienciasnutricionaisonline/sumario/62/18042018212025.pdf. Acesso em: 09 jul. 2024.
[8] Tua Saúde. Opções de tratamento para diabetes. Disponível através do link: https://www.tuasaude.com/tratamento-para-diabetes/. Acesso em 09 jul. 2024.
[9] Agência Brasil. Mais de 10% dos brasileiros vivem com diabetes. Disponível através do link: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2023-11/mais-de-10-dos-brasileiros-vivem-com-diabetes. Acesso em: 09 jul. 2024.
[10] Unifan. Insulina recombinante. Disponível através do link: https://www.unifan.edu.br/unifan/aparecida/wp-content/uploads/sites/2/2019/09/Insulina-recombinante.pdf. Acesso em: 09 jul. 2024.
[11] Profissão Biotec. Insulina recombinante: Como afetou a vida dos pacientes?. Disponível através do link: https://profissaobiotec.com.br/insulina-recombinante-como-afetou-vida-dos-pacientes/#:~:text=A%20biotecnologia%20permitiu%20que%20pacientes,ao%20sistema%20imunológico%20do%20paciente. Acesso em: 09 jul. 2024.
[12] Futuro da saúde. Genoma: o que é e qual sua importância para a medicina de precisão. Disponível através do link: https://futurodasaude.com.br/genoma/. Acesso em: 09 jul. 2024.
[13] Góes AC de S, Oliveira BVX et al. Projeto Genoma Humano: um retrato da construção do conhecimento científico sob a ótica da revista Ciência Hoje, v. 20, n. 3, p. 561-577, 2014. Disponível através do link: https://doi.org/10.1590/1516-73132014000300004. Acesso em: 09 jul. 2024.